quarta-feira, agosto 13, 2008

O Fundo Soberano Brasileiro - O Cofrinho do Ministro e o Debate Nacional


1. Introdução: O que é um “Fundo Soberano”?


O Fundo Soberano, também denominado Fundo de Riqueza Soberana (Sovereign Wealth Funds), é a reserva monetária internacional de um determinado Estado aplicada em investimentos de maior rentabilidade e, geralmente, maior risco. Normalmente, são criados pelos governos quando esses se vêem em uma situação confortável em relação às suas reservas internacionais, ou seja, quando o volume de suas reservas ultrapassa aquele admitido como suficiente e necessário para que seu país seja capaz de enfrentar eventuais emergências financeiras. Chama-se “fundo” porque se refere a um capital voltado para aplicação em investimentos, e “soberano”, pois o capital em questão é aquele detido por um determinado Estado.
Assim, um país utiliza suas reservas monetárias como uma ferramenta no controle de crises nacionais e internacionais, embora estas possam rapidamente “virar pó” em um contexto de crise monetária nacional. No entanto, é notável que com essas reservas, os países tem como reagir mais efetivamente a crises, na tentativa de evitar a total estagnação de suas economias. Nesse sentido, as reservas internacionais, isto é, reservas que um determinado país detém em forma de moeda estrangeira, tradicionalmente costumavam ser empregadas para a obtenção de ativos líquidos de baixo risco, bastante conservadores, e conseqüentemente, de baixa rentabilidade (normalmente Títulos do Tesouro Norte-Americano devido à segurança e liquidez que o ativo oferece[i]). Porém, o mercado financeiro internacional vem apresentando novos padrões de investimento por parte dos governos. A prática de desenvolver fundos soberanos está tomando espaço no cenário internacional, e usualmente é aplicada por países que são grandes exportadores de commodities energéticas (como por exemplo, a Noruega, exportadora de petróleo) ou por países que possuem grandes superávits comerciais e reservas excedentes, o que lhes permite correr mais riscos (como no caso chinês) na busca de um retorno mais lucrativo. Esse patrimônio em moeda estrangeira contido no Fundo Soberano é administrado pelos organismos estatais, que geralmente aplicam-no fora de seus respectivos países, sendo utilizados em projetos internacionais de interesse dos governos. Os recursos também são, por vezes, empregados no apoio à produção nacional[ii].
Enquanto os recursos ainda concentravam-se na obtenção de Títulos do Tesouro norte-americano, a atuação dos Fundos Soberanos pôde passar quase que despercebida no mercado financeiro internacional. Contudo, a situação mudou a partir do momento em que a atuação dos Fundos Soberanos de países estrangeiros começou a se voltar para a aquisição de grandes empresas e bancos em outros países, o que alarmou principalmente os países desenvolvidos. Dessa forma, o clima político em relação à atuação do Fundo Soberano tem ficado tenso, pois existe um grande receio de que esses fundos assumam posições dominantes ou até obtenham a posse total de empresas estratégicas e bancos, ameaçando o poder dos países nos quais esses setores estratégicos se localizam.[iii] O temor é que a atuação desses fundos fuja a lógica econômica e tome por objetivo o domínio de setores chaves da economia de um país por outro. Em grande medida, esse temor é ampliado devido ao fato de que os Fundos Soberanos não são regulamentados por nenhum tipo de organismo internacional capaz de controlar suas atuações. Não há nem mesmo a obrigação de que esses fundos emitam qualquer tipo de relatório sobre suas operações. Por isso, países mais industrializados (G7, por exemplo) pressionam internacionalmente pelo estabelecimento de um código de boas práticas para estes fundos, com o objetivo de promover "transparência e previsibilidade" em suas atuações no mundo financeiro, diante das conseqüências potenciais que poderão ter sobre os mercados financeiros e os investimentos.[iv]

2. O Fundo Soberano Brasileiro e os Argumentos Pró sua Criação


Nos últimos 30 anos, o mundo tem passado por um intenso processo de globalização financeira. Esse processo ancorado no dólar dos EUA veio acompanhado de grandes crises cambiais que afetaram muitos países, levando ao seu endividamento externo. Contudo, principalmente nos últimos cinco anos, favorecidos pela excessiva liquidez internacional, seguida do crescimento da economia mundial que serviu de estímulo à elevação da demanda e dos preços internacionais, os países que haviam sido fortemente afetados pelas crises conseguiram finalmente livrarem-se da situação de sufoco cambial crônico, na qual agonizavam desde a década de 1980. Esse novo contexto possibilitou que tais países quitassem a maior parte de seus compromissos com organismo internacionais, como o FMI, e que, até mesmo, acumulassem um volume recorde de reservas internacionais.
A acumulação de reservas pode ser vista como uma ferramenta fundamental , principalmente para países como o Brasil, que já amargaram profundamente com crises cambiais no passado, no controle da economia doméstica, especialmente em tempos de crises monetárias devidas à alta mobilidade e volatilidade dos fluxos de capitais. Assim como outros países que já estiveram nesta situação, o Brasil passou a acumular, nos últimos anos, grandes reservas em uma velocidade recorde na história do país. Tradicionalmente os Fundos Soberanos foram instituídos por países que se caracterizam como grandes exportadores de petróleo, no entanto, atualmente, essa prática se estendeu também aos países em desenvolvimento, devido ao incremento inédito de suas acumulações de reservas internacionais e superávits primários constantes.
No Brasil, o alívio em relação à melhor situação da dívida externa e esse elevado volume de reservas em moedas estrangeiras acumulado pelo país nos últimos anos tem dado estímulos à criação de um Fundo Soberano Brasileiro.[v] Nesse contexto, o Brasil, como a oitava maior reserva internacional do mundodiscute se o atual momento seria apropriado para a criação do Fundo Soberano Brasileiro (FSB).
Neste debate, encontram-se de um lado, aqueles que são a favor da criação do FSB, dentre eles o atual Ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmam a posição do Brasil como credor no mercado internacional, e que o forte e crescente fluxo de entrada de recursos externos e a elevação do país a grau de investimento proporcionam o momento propício para o estabelecimento do Fundo.[vi] Segundo eles, desta forma, estancaria-se a perda que ocorre devido à baixa rentabilidade dos recursos brasileiros, numa referência às reservas já mantidas pelo Banco Central, já que a maior parte está aplicada em Títulos do Tesouro Norte-Americano.[vii]
O FSB já anunciado pelo governo cumpriria a função de realizar investimentos no exterior para apoiar projetos de interesse estratégico e ampliar a rentabilidade dos ativos financeiros mantidos pelo setor público. Para tanto, o fundo iria capitalizar o BNDES no exterior, possibilitando que o banco financie empresas brasileiras e seus projetos no exterior, servindo também para a internacionalização das empresas nacionais. Outro benefício trazido pelo FSE seria a utilização do mesmo como instrumento de contenção dos gastos públicos, visto que os recursos não seriam aplicados em território nacional. Além disso, muito relevante para o cenário atual, o Fundo teria o papel de enxugar a liquidez de dólares no mercado interno, contendo a valorização do Real e, ainda, permitindo uma poupança fiscal para conter a alta da inflação. Reforçando o argumento, o Ministro da Fazenda afirmou que a fonte dos recursos que irão para o FSB será uma parcela do que exceder a meta de superávit primário.[viii] Seria uma “economia adicional de 0,5% do PIB, correspondente a 13 bilhões de reais. Segundo a explicação de Mantega,
“As reservas, por sua própria natureza - porque elas têm que dar cobertura cambial ao país - têm de ser aplicadas de forma conservadora - como o são. E, portanto, o rendimento delas costuma ser menor. Porém, o que estamos falando é de um excedente para além das reservas. As reservas continuarão e nós teremos um excedente, que será aplicado de forma mais rentável.”[ix]
Em defesa do Fundo, também é argumentado que o mesmo aplicará o excedente dessas reservas nacionais com a finalidade de estabelecer uma poupança interna para momentos de crise de arrecadação, como um mecanismo anticíclico.
Para a maior parte de seus defensores, em suma a criação do Fundo seria oportuna para dar auxílio na contenção da queda do dólar e permitir avanços no setor produtivo, além de ser uma forma de melhorar a rentabilidade de nosso superávit. Dessa forma, alguns atacam os opositores do FSB como neoliberais que querem partir para a destruição da indústria nacional, já que são contra o Fundo que proveria investimentos vitais para seu crescimento.
Preocupado com a questão da tensão política que a atuação do Fundo pode causar, o Ministério da Fazenda estabeleceu que semestralmente será encaminhado um relatório ao congresso a fim de garantir a transparência das operações do FSB. Nesse sentido, o governo também se preocupou em estabelecer um limite máximo de recursos destinados ao FSB, por meio de um decreto de regulamentação do Fundo.

3. O Fundo Soberano Brasileiro e os Argumentos Contra sua Criação


Do lado dos críticos do FSB da maneira proposta pelo governo, encontra-se um grupo de peso, composto por Luiz Gonzaga Belluzzo, Delfim Neto, João Paulo dos Reis Velloso e Aloísio Mercadante. As críticas às ações do governo podem se concentrar na origem dos recursos, na interferência sobre o câmbio e sobre a gestão do fundo.
No que tange às origens do Fundo, a crítica entende que a receita fiscal vem surpreendendo favoravelmente a cada mês, no entanto, o aumento dos gastos governamentais em geral, mas especialmente com pessoal, vem preocupando até mesmo os integrantes da equipe do governo. Ou seja, a qualidade da política fiscal vem se deteriorando. Além disso, argumenta que o Fundo seria mais uma forma de se intervir ativamente sobre o câmbio, cumprindo a função que o BACEN é encarregado e vem realizando há algum tempo. O terceiro argumento compreende que as maiores empresas brasileiras já se internacionalizaram e não dependem dessa fonte de financiamento. O que ocorreria seria o fomento à empresas de médio porte com crescimento recente, as quais já recorrem ao BNDES. Alguns mais extremados chegam a afirmar que estas empresas deveriam trabalhar em regime de livre mercado, capitando seus recursos de forma autônoma e sem intervenções de instâncias superiores.
Para este grupo, os recursos do esforço fiscal adicional não deveriam ser usados neste momento para a compra de dólares, pois prejudicaria o combate à inflação e reduziria o impacto do anúncio de uma redução de gastos nas expectativas do mercado.
O ponto central é que o Brasil não é um exportador de capitais. Para aprofundar a produção de exportáveis industriais via fundo soberano, o Estado precisa tornar-se um poupador líquido. Senão, haverá a necessidade de alavancar o fundo, se endividando. No Brasil, devido à política fiscal “expansionista”, as poupanças domésticas são muito baixas, e como a aceleração do crescimento requer o crescimento dos investimentos, ela requer também a absorção de poupanças externas por meio de déficits persistentes nas contas correntes. Ou seja, a partir da uma análise da política fiscal brasileira, por mais que o superávit primário seja razoável, com o pagamento dos juros, o Brasil ainda incorre em déficits operacionais, que mantem a necessidade de financiamento do setor público (NFSP) positiva. Há quem diga que mesmo os superávits atuais, são temporários, decorrentes da crise de confiança de 2002. Nesse sentido, esses superávits permitiram uma redução da dívida externa, que aliada a acumulação de reservas e elevação de preços das comodities, levou ao ciclo de apreciação do real iniciado em 2003. A aceleração do crescimento requer investimentos maiores e, dada a poupança, o país voltará aos déficits nas contas correntes, explicitado pelos dados mais recentes. Desta forma, não faz sentido criar um Fundo Soberano em um país que não exporta capitais e cuja política fiscal é pró-cíclica, com aumento gastos públicos.

4. Conclusão


A saída encontrada pelo governo foi de postergar o uso do fundo para operar no mercado de câmbio, até porque necessitaria ser aprovado e regulamentado no Congresso. No entanto, o ajuste fiscal adicional será acompanhado do Fundo Soberano. Desta forma, governo e críticos estariam parcialmente satisfeitos.
No entanto, aqui defendemos uma posição crítica mais forte, já que devido às elevadas taxas de juros, o Brasil encontra-se em uma posição de déficit operacional, por mais que em uma posição de superávit primário. Nesse sentido, o Brasil é um país tomador de recursos e não exportador destes, demonstrando que não possui o perfil necessário para a criação de um Fundo Soberano. No Brasil não existe excedente. Caso este fosse criado, estaríamos tomando recursos emprestados para poder investí-los, criando um Fundo alavancado. É uma questão de custo de oportunidade, a qual fiscalmente tende em rejeição ao fundo, no entanto, este poderá ser uma boa ferramenta de controle econômico doméstico em longo prazo, caso se cumpram as condições explicitadas ao longo do trabalho.

5. Bibliografia

CARVALHO, Jiane – Ativos devem triplicar em dez anos. Gazeta Mercantil, São Paulo, 28.11.2007, p B-1.

GIAMBIAGI, F. Dezessete anos de política fiscal no Brasil: 1991-2007. Texto para Discussão Nº. 1309. Rio de Janeiro: IPEA, novembro de 2007.

MINISTÉRIO DA FAZENDA. “Fundo Soberano terá Caráter anticíclico”. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/audio/2008/maio/a130508.asp. Acesso em 13.06.08

ROMERO, Cristiano - O Fundo Soberano e seus temores. Valor Econômico, São Paulo, site: - http://www.andima.com.br/clipping/051007/index.html Acesso em 09.06.2008

SCHWARTSMAN, Alexandre – Uma parábola soberana. Folha de São Paulo, São Paulo, site: http://www.andima.com.br/clipping/281107/index.html Acesso em 13.06.08

FRANCO, Gustavo - O cofrinho do ministro. Folha de São Paulo, São Paulo, publicado em 17/5/2008

CRUZ, Valdo & D’AMORIM, Sheila – Lula busca direção fora da equipe econômica. Folha de São Paulo, São Paulo, publicado em 01/06/08

PASTORE, Affonso Celso & PINOTTI, Maria Cristina – O fundo soberano e a disciplina fiscal. Valor Econômico, São Paulo, publicado em 03/12/2007.


6. Referências

[i] Os Títulos dos EUA rendem apenas aproximadamente 4,5% ao ano.

[ii] Contudo, apesar de somente nos últimos anos a prática do Fundo Soberano estar entrando em evidência, a iniciativa não é algo tão recente. Os primeiros fundos soberanos surgiram na década de 50, criados pelos países exportadores de petróleo, dentre eles o Kwait (1953).

[iii] “Duas tentativas de compra de empresas americanas nos setores de petróleo e de pontos por parte de companhias estatais da China e dos Emirados Árabes Unidos fracassaram em 2005, levando o governo americano a aprovar, neste ano, uma nova “Lei de Investimento Estrangeiro e Segurança Nacional”. Ver ROMERO, Cristiano - O Fundo Soberano e seus temores. Valor Econômico, São Paulo, site: - http://www.andima.com.br/clipping/051007/index.html Acesso em 09.06.2008

[iv] Existe ainda o temor quanto à possibilidade de esses Fundos tornarem-se elementos de instabilidade do sistema, já que parece que a tendência ultimamente tem sido um forte protecionismo no mercado de capitais. Isso porque os fundos vêm se aproveitando da crise financeira nos EUA e investindo cada vez mais em bancos e no sistema financeiro em geral.
[v] “No final de 2000, as reservas internacionais do Brasil, no conceito de liquidez internacional, totalizavam pouco mais de US$ 33 bilhões em valores correntes e em dezembro de 2007 superavam a marca de US$ 180 bilhões. Já sua dívida externa total (pública +privada) acrescida dos empréstimos intercompanhia, que fechou o ano de 2000 avaliada em aproximadamente US$ 236 bilhões, em dezembro de 2007 girava em torno de US$ 244 bilhões. Assim, a relação reservas/dívida externa que era de aproximadamente 14% em dezembro de 2000 passou para quase 74% ao final de 2007, denotando uma grande melhoria na vulnerabilidade externa do País”. Ver CARVALHO, Jiane – Ativos devem triplicar em dez anos. Gazeta Mercantil, São Paulo, 28.11.2007, p B-1.


[vi] O ministro Guido Mantega declarou, ao anunciar o Fundo, que: “O governo já está fazendo um esforço fiscal e obtendo um superávit primário maior que a meta estabelecida. Teremos um excedente que será colocado nessa modalidade. É como um cofrinho”. Ver SCHWARTSMAN, Alexandre – Uma parábola soberana. Folha de São Paulo, São Paulo, site: http://www.andima.com.br/clipping/281107/index.html Acesso em 13.06.08

[vii] Cálculos afirmam que essa perda poderia chegar a R$ 100 bilhões em dois anos, considerando-se a perda de valor das reservas devido à valorização do real e ao fato de que a rentabilidade das reservas é menor que o custo da dívida interna, em conseqüência da compra de dólares.

[viii] Atualmente, a meta é de 3,8% do Produto Interno Bruto, isto é, da soma de bens e serviços produzidos no país.

[ix] Ver: MINISTÉRIO DA FAZENDA. “Fundo Soberano terá Caráter anticíclico”. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/audio/2008/maio/a130508.asp. Acesso em 13.06.08