quarta-feira, agosto 13, 2008

O Dilema da Cartilha Neoliberal na África

É interessante notar que, como na maioria dos países periféricos do globo, a República Democrática do Congo foi obrigada a adotar a cartilha neoliberal do FMI, criticada por muitos por ser extremamente ortodoxa e defensora dos interesses das grandes multinacionais, notadamente as Norte-americanas. Nesse sentido, o projeto de orçamento de 2007, apresentado pelo governo à Assembleia Nacional, foi marcado por uma “orientação neoliberal estrita, conforme aos arranjos acordados com os serviços do FMI”, disse o ministro congolês das Finanças, Athanase Matenda Kyelu. Assim como afirmado anteriormente, é preciso que tenhamos em mente o FMI é entendido por alguns como o ponta de lança da globalização financeira, particularmente conhecida em todos os continentes junto às populações pobres devido devastações cometidas com as medidas anti-sociais que tem imposto há um quarto de século.

A Assembléia Nacional da República Democrática do Congo adotou emendas em 14/07/2007 que reviam o orçamento, o que não agradou o FMI. Por isso, o ministro das Finanças foi forçado a intervir: "o Conselho de Administração do FMI, que se reuniu segunda-feira 18 de Junho de 2007 para examinar o estado de avanço do programa de estabilização macroeconômicas acompanhado pelos serviços do FMI, exprimiu preocupações quanto à evolução do debate em curso no parlamento acerca do Projecto de Lei orçamental 2007 [...] as previsões das receitas e das despesas foram sensivelmente revista em alta, de modo que elas não correspondem mais ao quadro macroeconômico implícito na elaboração deste Orçamento 2007". Ou seja, governo foi forçado a intervir junto ao Senado, se submetendo ao FMI e aos seus credores.

Mas qual a importância deste orçamento? Em primeiro lugar, o total do orçamento é de cerca de 2,4 mil milhões de dólares, ou seja, a mesma quantia que Estados Unidos gastaram com a ocupação do Iraque em menos de duas semanas; ultrapassando por pouco as despesas anuais operacionais do FMI, que emprega apenas 2700 pessoas. Nesse sentido, motra-se impossível reconstruir um país devastado por duas guerras que fizeram 3,5 milhões de mortos. Para comparação, a França, cuja população ronda os 60 milhões de habitante tal como a República Democrática do Congo, tem um orçamento de 520 mil milhões de dólares, ou seja, mais de 200 vezes do orçamento congolês.

Além disso, 50% dos recursos próprios da República Democrática do Congo vai para o serviço da dívida, reduzindo a capacidade do governo para consagrar os seus recursos internos. Assim, o governo encontra-se perante um trade-off: realizar os investimentos prioritários ou reembolsar credores ricos que açambarcam as riquezas nacionais. Sendo fortemente aconselhado pelo FMI, escolheu a segunda alternativa.

A conclusão a que se chega é que as riquezas congolesas não beneficiam o Estado nem a população do país, mas a alguns próximos do poder e a empresas transnacionais a cujos interesses servem o FMI e as grandes potências. Evidentemente, as despesas com a educação e a saúde são reduzidas de modo proporcional. Este projeto de orçamento é visto por alguns como impedidor da satisfação das necessidades fundamentais da população camponesa violando vários textos fundamentais, quer seja a Declaração Universal dos Direitos Humanos ou o Preâmbulo da Constituição congolesa.

Contexto Regional:

No entanto, se formos analisar um contexto histórico regional, vemos que a independência africana, depois da Segunda Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com relação aos seus novos governos de "libertação nacional". Em alguns casos, seus projetos de desenvolvimento foram muito bem-sucedidos durante os primeiros tempos de vida independente. Este desempenho inicial, no entanto, foi solapado por sucessivos golpes, regimes militares e pela crise econômica mundial da década de 1970. A crise mundial atingiu em cheio as economias periféricas, acabando por provocar um prolongado declínio da economia africana até o início do Século XXI. Ainda na década de 90, mesmo com o fim da Guerra Fria e com o auge da globalização financeira, o continente africano ficou praticamente à margem dos novos fluxos de comércio e de investimento globais.

Entretanto, no princípio do século XXI, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo ciclo de expansão da economia mundial. Esse movimento foi entendido por José Luis Fiori como um “momento em que o sistema mundial ingressa numa nova ‘corrida imperialista’ entre as suas ‘grandes potências’". Nesse sentido, estaríamos passando por uma terceira fase do Imperialismo. Mesmo que Fiori esteja correto, os ganhos africanos podem ser demonstrados com o crescimento médio, que era de 2,4% em 1990, passou para 4,5%, entre 2000 e 2005 e alcançou as taxas de 5,3% e 5,5%, em 2007 e 2008. Mais ainda, no caso de alguns países produtores de petróleo e outros minérios estratégicos, estas cifras alcançaram níveis ainda mais expressivos, como em Angola, Sudão e Mauritânia. Esta mudança da economia africana deve-se principalmente ao impacto do crescimento da China e da Índia. Hoje, esse dois países consomem 27% das exportações africanas, assim como a Europa e os Estados Unidos. Na direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo à uma taxa média de 18% a.a. junto com os investimentos diretos chineses e indianos, sobretudo em energia, minérios e infra-estrutura. A África é, hoje, o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia.

O desempenho econômico sólido na década de 1995-2005 em toda a África contrasta fortemente com o colapso econômico de 1975-1985 e com a estagnação que o continente viveu em 1985-95. É possível manter o crescimento, acelerando a produtividade e aumentando o investimento privado. No entanto, a melhoria da conjuntura e da infra-estrutura empresarial nos países africanos, assim como encorajar a inovação e aumentar as capacidades das instituições torna-se primordial.

O desempenho econômico em 2005 foi bastante irregular entre os diferentes países, passando de -2,2% no Zimbabué para 30,8% na Guiné Equatorial. O problema está em que grande parte desse crescimento é resultado das altas do preço do petróleo, já que na África existem grandes exportadores de petróleo e pela escassez de recursos, grande instabilidade, predisposição para conflitos, em países que foram afectados ou saíram recentemente de conflitos, simplesmente encontrados num crescimento lento inferior a 4%.

Segundo a análise do Banco Mundial em 14 de Novembro de 2007, seguindo a cartilha neoliberal, muitas economias africanas se recuperaram e poderão mesmo estar em via de um crescimento mais rápido e seguro, o que é necessário para reduzir os altos níveis de pobreza. As características comuns à todos os países africanos que registaram um crescimento continuado foram a maior integração à economia mundial, especialmente através do comércio para exportação, que explicam em os níveis agregados de eficiência e os volumes de investimento registados por esses países. O crescimento atual se deve às reformas aplicadas na última década, e a inflação, os défices orçamentais, as taxas de câmbio e os reembolsos da dívida são mais comportáveis; as economias são mais abertas ao comércio e às empresas privadas; melhor governabilidade, havendo uma luta mais intensa contra a corrupção. No entanto, a instabilidade do continente ainda modera as expectativas e os investimentos.

O principal fator para manter o crescimento e reduzir a instabilidade são as exportações. Portanto, é necessário baixar os custos de exportação (entre 18% e 35% dos custos totais), comparado com os custos indirectos na China – meramente 8% dos custos totais. Nesse sentido, as empresas africanas acabam perdendo competitividade no âmbito global, devido a custos indiretos mais elevados, o que inclui as infra-estruturas, um constrangimento emergente para o crescimento futuro.

Contexto doméstico:

A economia da República Democrática do Congo baseia-se na exploração de recursos minerais, sobretudo cobalto, cobre, diamantes, ouro e urânio, apesar do declínio experimentado pelo setor com os conflitos internos recentes. O país possui um grande potencial hidrelétrico, além de abundância de recursos madeireiros e agrícolas (café, cacau, dendê). Entre 1991 e 2001, a situação econômica deteriorou-se progressivamente, com índice negativo de crescimento anual médio do PIB – menos 6,7 %. Em 2002, registrou-se crescimento de 3%, em 2005, 6,5% e em 2006, 5,1%. No entanto, a desagregação da economia nos últimos anos tende a comprometer a confiabilidade dos dados macroeconômicos. Dessa forma, grande parte dos dados numéricos apresentados são meramente indicativos.

No ano 2000, a agricultura representava, 55% do PIB, uma grande evolução em relação aos 25% em 1985. Antes dominado por grandes multinacionais, dedicadas aos cultivos de cacau, café e dendê, o setor, agora, baseia-se cada vez mais na agricultura de subsistência. O setor industrial está decadente, havendo-se reduzido sua participação no PIB de 33%, em 1980, para 11% em 2000. Como resultado da falta de investimentos, escassez de divisas e baixa demanda, o que restou do parque industrial congolês opera com mais de 60% de capacidade ociosa.

Estima-se que aproximadamente 70% da força de trabalho estão desempregados, sobrevivendo graças ao setor informal da economia que, além da agricultura de subsistência, inclui toda uma gama de atividades nas áreas de comércio, transportes e serviços em geral. Em 2000, o setor de serviços teria respondido por 34% do PIB.

Registram-se alguns resultados positivos no tocante à taxa de inflação, que, de 659%, em 1996 e 515,8% em 2000, foi reduzida a 21,6% em 2005 e 13,1% em 2006 (segundo segundo dados do Banco Mundial, a República Democrática do Congoteria conseguido estabilizar sua economia de forma considerável).

Nessa análise do contexto econômico nacional, é impossível passar desapercebido pela retomada do diálogo com a comunidade financeira internacional, especialmente a partir da parcial pacificação do país em 2002. Doadores e instituições financeiras internacionais adotaram medidas favoráveis, entre as quais o desbloqueio de empréstimo de 454 milhões de dólares pelo Banco Mundial e a anulação de dívida de 4,64 bilhões de dólares por parte do Clube de Paris. A dívida externa da República Democrática do Congoseria da ordem de 11 bilhões de dólares, segundo dados de 2002. Tais fatos vão impactar diretamente no reequilíbrio e crescimento econômico.

No tocante ao intercâmbio comercial, as exportações teriam somado 1,4 bilhão de dólares, em 2002, contra importações de US$ 906 milhões. Os principais itens exportados compreendem diamantes, cobre, cobalto e café. As exportações destinam-se principalmente à Bélgica (64%), EUA (13%) e África (7,7%). Na pauta de importações sobressaem bens de consumo e de capital, alimentos e material de transporte, provenientes da África (42%), União Européia (41%) e Ásia (9,7%).

Assim, podemos ver que a “estabilização da guerra civil” e a adoção da cartilha neoliberal proposta pelo FMI trouxe avanços econômicos para diversos países, especialmente no Congo. No entanto, com estas medidas, o lado social fica negligenciado e continua pressionado. Gastos sociais não são o foco do FMI, o que complica a sua adoção no continente africano, repleto de conflitos étnicos, guerras civis e genocídios. No entanto, o crescimento econômico resultante dessas medidas restritivas pode ter um impacto positivo nas futuras ações sociais destes países. Atualmente ineficientes econômicamente, qualquer ação social com recursos governamentais mostra-se pouco eficaz ou completamente ineficiente, ao passo que a adoção das medidas neoliberais proporciona uma abertura econômica, seguida de aportes de investimentos estrangeiros, gerando um desenvolvimento de todo o país que passa a poder proporcionar benefícios sociais à população.


Bibliografia: