quarta-feira, agosto 13, 2008

Construção, Crise e Retomada da Hegemonia Norte-Americana

A construção da hegemonia Norte-Americana pode ser pautada sobre alguns pilares políticos e econômicos. Desde o fim da I Guerra Mundial, havia um vácuo de poder no que tange a uma unidade política organizadora do sistema internacional, não havendo nenhuma unidade disposta e capacitada para assumir tal posição. Como ressaltado por Arrighi, a França e, de certa forma, a Alemanha, almejavam a posição mas não possuiam as condições necessárias para assumí-la. Por sua vez, os EUA não tinham a ambição e nem a vontade política de se coloca nessa posição, mantendo sua postura pseudoisolacionista do outro lado do Atlântico. No entanto, persistia a necessidade de uma potência hegemônica dominante capaz de conciliar as políticas econômicas domésticas dos países soberanos com uma ordem monetária internacional.
Com os rumos da II Guerra Mundial já praticamente delineados e com o engrandecimento da ameaça comunista, os EUA assumem uma postura organizadora do sistema. Com a criação de Bretton Woods, instaura-se o padrão ouro-dólar em substituição ao padrão-ouro vigente no período anterior. Dessa forma, evitaría-se a volatilidade cambial, buscando-se a liberalização do comércio, estabilidade monetária e interdependência econômica global, o que traria mais eficiência e estabilidade ao sistema. Além disso, seriam criadas instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial e o acordo do GATT que permitiriam uma gestão racionalizada e com divisão dos custos (tanto econômicos quanto políticos).
O compromisso das economias com o Embbeded Liberalism, de John Ruggie, demonstra a influência de cunho ideológico que permeia o cenário internacional. Havia o compromisso com o liberalismo, mas com uma política macro-econômica expansionista, em que o aumento dos gastos do governo geraria um efeito multiplicador nas economias. Caso o livre mercado agisse realmente sozinho, poderia-se não chegar aos objetivos preestabelecidos, uma vez que os mercados estavam com problemas crônicos de capitais produtivos e mão-de-obra. O Estado tinha, agora, um novo papel no liberalismo. Havia ainda o medo do retorno do nacionalismo destrutivo (fascismo/nazismo), desenvolvidos em oposição ao liberalismo tradicional, que deveriam ser evitados. A Doutrina Truman surge como um marco na formação hegemônica dos EUA, uma vez que simboliza a tomada do papel de administrador do sistema. Estariam dispostos a lançar ajuda a qualquer país para evitar a ameaça soviética.
A hegemonia Norte-Americana constrói-se sob a forma institucional, racionalizada, interdependente, com custos divididos e sob a ideologia do Embbeded Liberalism. É a tentativa de criar uma nova ordem mundial estável, em oposição aos fatores que levaram ao nacionalismo destrutivo e ao socialismo. Desta forma, busca resgatar e assimilar as economias destruídas e, inclusive, algumas economias menores.
Esse conjunto de fatos determinou a época de ouro do capitalismo, vivido até o fim dos anos 60 e início dos anos 70. Tal prosperidade foi proporcionada pela liderança internacional dos EUA e o compromisso de todas as economias com o Embbeded Liberalism. No entanto, os privilégios econômicos e políticos dos EUA, como emissor da moeda base do sistema, preocupavam os demais países. Não havia necessidade de se preocupar com os déficits americanos na condução de suas políticas, uma ve que os outros Estados acabariam imbutindo e financiando seu déficit na balança de pagamentos. No entanto, também não havia a possibilidade de desvalorizar o dólar frente as outras moedas, que automaticamente também seriam desvalorizadas. Havia um excesso de liquidez no mundo acompanhado de uma perda de reservas, uma vez que Alemanha e Japão exportavam muito mas com proteção. Ocorria o Dilema de Triffin, uma contradição entre liquidez e a confiança internacional, que minou a confiança dos atores em relação aos EUA. Existiam mais dólares no exterior do que havia a quantidade lastreada de ouro, logo, havia a insegurança de que fosse gerada uma crise especulativa e uma corrida para a troca de dólares por ouro. O dilema rompe com o acordo de cavalheiros entre os EUA e os parceiros ao redor do mundo, rompe o alinhamento mundial com a política macro-econômica americana e sepulta o Embbeded Liberalism. A situação ainda foi deteriorada pelos acontecimentos históricos, como o acirramento da Guerra do Vietnã, em que os EUA exportavam sua inflação doméstica para todo o mundo. A “estagflação”, antes inconcebível, ajudou a sepultar o sistema. Inflação, antes, era inversa a estagnação/desemprego. No entanto, a “Euroesclerose” com seus efeitos inflacionários aliado a Crise do Petróleo em 1973 levou a um momento de recessão econômica acrescida de inflação, ou seja, o sistema monetário internacional encontrava-se no mais absoluto caos, o que força a mudanças.
A retomada da hegemonia Norte-Americana se dá em dois movimentos: Geopolítico e Geoeconômico. No primeiro podemos ressaltar a importância da “Política do Dólar Forte”, instaurada no governo Nixon pelo Paul Volcker, a partir do aumento do juros americano. Aliado a isso, temos a quebra do regime ouro-dólar e a legalização do regime de cambio flutuante e da livre conversibilidade, que significava uma maior autonomia doméstica para os Estados na condução de sua política doméstica. Uma revolução financeira é realizada, com o desenvolvimento de um novo sistema financeiro desregulamentado, com maior mobilidade de capitais e um aceleramento na circulação e volume destes, criando uma relação muito maior de interdependência das economias. Claro, surgem empecilhos à essa ordem, como o novo protecionismo, o regionalismo, etc. Por sua vez, o movimento Geopolítico é marcado pela detènte da Guerra Fria.
Ao meu ver, a “crise da hegemonia dos EUA” serviu para mostrar o quanto sua hegemonia é forte e distinta de qualquer outra. Quando pressionado e obrigado a tomar uma decisão entre sua estabilidade doméstica ou a liquidez internacional, os EUA claramente dão preferência ao seu âmbito doméstico. O dólar é americano e o problema é de todos. Mesmo com essa decisão, já no câmbio flutuante, o dólar continua sendo a moeda base do sistema. Ou seja, os EUA viram as costas para o mundo e, de certa forma, forçam todos a mudar a condução de suas políticas domésticas em função da sua. Todo o sistema muda em sua função e não os EUA mudam em função do sistema.